A história do Cooperativismo Mundial
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Conheça alguns dos principais momentos da história do cooperativismo no mundo.
As Reduções Jesuíticas e o cooperativismo
Voltando no tempo, encontramos em 1610, com a fundação das primeiras Reduções Jesuíticas no Brasil, o início da construção de uma forma de sociedade baseada em princípios cooperativos.
Por mais de 150 anos, esse modelo deu exemplo de uma comunidade solidária, fundamentada no trabalho coletivo, na partilha de resultados e na valorização do bem-estar do indivíduo e da família acima do interesse puramente econômico da produção.
A ação dos padres jesuítas baseava-se na persuasão e no amor cristão, bem como no princípio do auxílio mútuo (mutirão) — prática já presente entre os povos indígenas brasileiros e em diversas civilizações antigas ao longo da história da humanidade.
Apesar de existirem estudiosos que associam o início do cooperativismo às Reduções Jesuíticas, foi na Inglaterra, cerca de dois séculos depois, que surgiu a primeira cooperativa reconhecida mundialmente como tal.
Os Pioneiros de Rochdale
Em 21 de dezembro de 1844, no bairro de Rochdale, em Manchester (Inglaterra), 27 tecelões e uma tecelã fundaram a “Sociedade dos Probos Pioneiros de Rochdale”, a partir da economia mensal de uma libra de cada participante ao longo de um ano.
Tendo o ser humano como principal finalidade, e não o lucro, os tecelões de Rochdale buscavam uma alternativa econômica para atuarem no mercado diante do capitalismo ganancioso, que os submetia a preços abusivos, à exploração da jornada de trabalho de mulheres e crianças — que chegavam a trabalhar até 16 horas por dia — e ao desemprego crescente causado pela Revolução Industrial.
A constituição daquela pequena cooperativa de consumo, no então chamado “Beco do Sapo” (Toad Lane), mudaria os padrões econômicos da época e daria origem ao movimento cooperativista. A iniciativa foi motivo de deboche por parte dos comerciantes, mas logo no primeiro ano de funcionamento o capital da sociedade aumentou para 180 libras e, cerca de dez anos mais tarde, o “Armazém de Rochdale” já contava com 1.400 cooperantes. O sucesso dessa iniciativa tornou-se exemplo para outros grupos e marcou o início do cooperativismo moderno.
A História do Cooperativismo de Crédito
A história do cooperativismo registra que as primeiras cooperativas de crédito têm em Franz Herman Schulze seu precursor, com a criação da primeira cooperativa de crédito urbana em 1852, na cidade alemã de Delitzsch. Desse movimento nasceram os Volksbank, ou “bancos do povo”, voltados às necessidades dos proprietários de pequenas empresas — comerciantes e artesãos —, e que logo conquistaram grande adesão da população urbana. Já em 1859, existiam 183 cooperativas, reunindo cerca de 18 mil membros nas regiões da Pomerânia e da Saxônia. Essas cooperativas seguiram o modelo que ficou conhecido como Schulze-Delitzsch.
Também na Alemanha, após vivenciar experiências de solidariedade e caridade, Friedrich Wilhelm Raiffeisen fundou, em 1862, em Anhausen, e em 1864, em Heddesdorf, ambas na região da Renânia-Palatinado, as cooperativas de crédito rural — à época chamadas de loan societies — que mais tarde se tornariam conhecidas como Raiffeisenbank. Após um período inicial de baixa adesão, o modelo prosperou: em 1900, já existiam 2.083 cooperativas de crédito seguindo o modelo Raiffeisen, com um total de 265 mil associados.
Embora Schulze tenha precedido historicamente, Raiffeisen é muitas vezes considerado o mais importante na história do cooperativismo, pois as comunidades rurais alemãs eram muito mais carentes de acesso ao crédito do que as urbanas. Às vésperas da Primeira Guerra Mundial, a Alemanha contava com 16.927 cooperativas do tipo Raiffeisenbank, contra 980 Volksbank, consolidando o modelo cooperativo como um dos pilares da economia solidária moderna.
Os Seguidores do Modelo
O cooperativismo de crédito avançou rapidamente e logo ultrapassou as fronteiras da Alemanha, expandindo-se pela Itália, França, Holanda, Inglaterra e Áustria, tornando a Alemanha referência mundial no desenvolvimento do setor. Prova disso é que, já em 1865, surgiu, na Itália, o modelo conhecido como Luzzatti — implantado por Luigi Luzzatti, na cidade de Milão —, caracterizado pela livre associação.
No continente americano, a primeira cooperativa de crédito foi criada no Canadá, em 1900, na cidade de Lévis, província de Quebec, de colonização francesa. Essa iniciativa deu origem ao Movimento Desjardins, fundado por Alphonse Desjardins, que viria a inspirar a criação das primeiras cooperativas de crédito nos Estados Unidos.
Modelos Cooperativos e a História do Cooperativismo
A estrutura do cooperativismo de crédito organizou-se a partir da contribuição de Rochdale e das experiências de Schulze-Delitzsch, Raiffeisen e Haas, na Alemanha, e de Luzzatti e Wollemborg, na Itália.
1. Hermann Schulze-Delitzsch
As cooperativas de crédito Schulze-Delitzsch surgiram por volta de 1849. Foram idealizadas por Hermann Schulze (1808–1883), magistrado nascido em Delitzsch, que fundou bancos populares entre os artesãos e foi autor do projeto que serviu de base para o primeiro Código Cooperativo Alemão, promulgado em 27 de março de 1867.
Schulze entendia que a associação era o meio encontrado pela sociedade para atuar de forma eficaz em setores que o Estado não conseguia atingir.
Seu modelo possuía as seguintes características:
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O capital da sociedade era constituído por quotas-partes integralizadas pelos associados, adotando o princípio do self-help (autoajuda mútua); 
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Constituição de fundo de reserva, geralmente limitado a 10% do capital subscrito; 
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Distribuição dos ganhos entre os sócios na forma de dividendos; 
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Responsabilidade solidária e ilimitada dos sócios pelos negócios da entidade; 
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Não era uma associação classista, permitindo a participação de todas as categorias econômicas, embora dirigida mais especificamente à classe média urbana. 
2. Friedrich Wilhelm Raiffeisen
As cooperativas Raiffeisen foram idealizadas por Friedrich Wilhelm Raiffeisen (1818–1888) entre 1847 e 1848, como sociedades de auxílio mútuo voltadas às necessidades dos agricultores da região de Flammersfeld, na Alemanha.
Em 1854, Raiffeisen fundou novas sociedades em Heddesdorf, que mais tarde se transformaram em cooperativas de crédito, dando origem a entidades semelhantes em outras localidades.
As cooperativas Raiffeisen fundamentavam-se no princípio cristão do amor ao próximo. Embora adotassem a ajuda mútua, também admitiam auxílio de caráter filantrópico.
Principais características:
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Responsabilidade solidária e ilimitada pelos negócios da sociedade; 
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Valorização da formação moral dos associados; 
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Não remuneração dos dirigentes; 
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Ausência de distribuição de retorno (as sobras eram reinvestidas); 
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Defesa da criação de um banco central cooperativo para atender às necessidades financeiras das cooperativas locais. 
As Caixas de Crédito Raiffeisen funcionavam como bancos rurais e apresentavam:
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Responsabilidade ilimitada e solidária dos associados; 
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Singularidade de voto (um associado, um voto); 
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Área de atuação restrita; 
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Ausência de capital social; 
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Sobras destinadas integralmente a um fundo de reserva. 
Esse tipo de cooperativa é até hoje bastante popular na Alemanha e influenciou diretamente a criação das cooperativas de crédito rural brasileiras.
3. Wilhelm Haas
As cooperativas do tipo Haas foram inspiradas nos dois modelos alemães anteriores, representando uma transição entre ambos.
Idealizadas por Wilhelm Haas (1838–1913), tinham como objetivo consolidar a independência dos agricultores. Para Haas, a cooperativa de crédito era capaz de proporcionar, por meio do auxílio mútuo:
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aumento do crédito agrícola; 
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compra conjunta de maquinário e ferramentas; 
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criação de seguros agrícolas; 
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melhoria na qualidade e redução dos preços dos produtos; 
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maior eficiência na comercialização e transformação dos produtos agrícolas. 
Diferentemente de Raiffeisen, Haas não se preocupava com os aspectos éticos ou cristãos, focando exclusivamente no caráter econômico da cooperativa.
4. Luigi Luzzatti
Já em 1865, surgiu na Itália o modelo de cooperativa de crédito urbano inspirado na experiência alemã e idealizado por Leone Wollemborg e Luigi Luzzatti. Esse modelo deu origem às chamadas “cooperativas de crédito do tipo Luzzatti” ou Banche Popolari (Bancos Populares).
Luigi Luzzatti (1841–1927) — político, escritor e professor universitário — publicou, em 1863, a obra A Difusão do Crédito e o Banco Popular, em que apresentou suas ideias sobre o cooperativismo de crédito.
Os bancos populares Luzzatti adotavam o princípio do self-help, mas admitiam apoio estatal temporário até que a cooperativa adquirisse autonomia financeira.
Principais características:
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Valorização das qualidades morais dos associados e fiscalização recíproca, promovendo confiança e idoneidade moral; 
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Concessão de empréstimos pela palavra de honra; 
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Não remuneração dos administradores. 
5. Leone Wollemborg
Leone Wollemborg (1859–1932) admitia a responsabilidade solidária e ilimitada dos associados pelos negócios da entidade. Embora menos preocupado com o aspecto moral, concentrava-se no fortalecimento financeiro e administrativo das cooperativas.
As cooperativas Wollemborg surgiram na Itália em 1883, com a criação de uma cooperativa de crédito em Pádua.
Em 1884, Wollemborg publicou Le Casse Cooperative di Prestiti, obra que estabeleceu normas para as cooperativas que idealizou. Em 1888, fundou uma federação de cooperativas de crédito na Itália.
6. Alphonse Desjardins
No início do século XX, em 6 de dezembro de 1900, surgiu no Canadá o cooperativismo de crédito Desjardins, idealizado por Alphonse Desjardins.
Esse modelo foi inspirado nas experiências de Raiffeisen, Schulze-Delitzsch e Luzzatti, além da tradição dos savings banks dos Estados Unidos e dos valores religiosos vivenciados por seu criador.
O modelo Desjardins unia as funções de poupança e crédito popular, com o objetivo de desenvolver nos cooperados o hábito da economia sistemática, o auxílio mútuo e a autogestão democrática, protegendo-os dos abusos do sistema financeiro da época.
Preocupado em fortalecer o movimento, Desjardins trabalhou para criar um sistema federado, com um órgão centralizador que oferecesse serviços de educação, assistência técnica, divulgação e estabilização econômica por meio de uma Caixa Central.
O modelo Desjardins teve rápida expansão e inspira, até hoje, grande parte das cooperativas de crédito em todo o mundo.
Conclusão
O cooperativismo evoluiu e conquistou um espaço próprio, definido por uma nova forma de pensar o ser humano, o trabalho e o desenvolvimento social.
Por sua natureza igualitária e solidária, o cooperativismo é aceito por governos de todo o mundo e reconhecido como uma fórmula democrática para a solução de problemas socioeconômicos.
